*Por Hubber Clemente (Idealizador Negros e Pretos Afro Turismo e Hotelaria, Cofundador Papo de Hoteleiro e participante de iniciativas de D&I)
Quando falamos de preconceito, precisamos entender que ele não acontece por acaso. Nossa sociedade foi estruturada para ser como é durante muitos séculos e apenas recentemente, no meio do século passado começamos a ter ações mais efetivas de combate ao preconceito e exclusão. Mas ainda em muitos setores mais tradicionais e conservadores, há muita resistência e omissão a estas ações, como no turismo brasileiro.
Existe uma narrativa negacionista e ilusória de que o turismo nacional é diverso e inclusivo, mas, na verdade enxergam desta forma porque o setor é um retrato da nossa sociedade estruturalmente preconceituosa, com apenas um perfil específico no topo e a “diversidade” na base. Para simplificar a compreensão quando digo que o turismo brasileiro é estruturalmente preconceituoso, basta você refletir e responder algumas questões: qual é o perfil das pessoas que estão nas lideranças das principais associações e entidades de classe do setor? Quantas pessoas negras de tranças ou dreads já te atenderam em hotéis tradicionais? Quantas pessoas PCD já viu trabalhando no front de hotéis ou restaurantes? Com quantas pessoas trans você trabalhou? Ao responder às questões, você entenderá o que eu afirmo.
E como mudar esta situação? Primeiro, abandonando a negação e omissão em relação ao tema. Preconceito é como um vírus, precisa de um ambiente favorável para sobreviver, se fortalecer e até produzir variantes como aprendemos na pandemia. Um ambiente negacionista e omisso é aliado do preconceito. E saiba que apenas “notas oficiais” se dizendo contra o preconceito é praticamente assumir que apoia o mesmo. Preconceito se combate com reflexão, conscientização e principalmente ação. Se você não tem ações efetivas, não será organicamente que acontecerá. Na verdade, atrairá um público preconceituoso que está sendo combatido em vários outros setores da sociedade.
Não é fácil, mas é plenamente possível para qualquer setor ou empresa ser diverso e inclusivo. Comece contratando consultorias especializadas, preferencialmente que conheçam o setor, para identificar onde está o maior déficit de diversidade e inclusão. Estruture um plano de ação sólido de médio e longo prazo, com ações contínuas ao longo do ano, com as devidas análises e ajustes para eficiência do mesmo. E cuidado para não cair na “armadilha” de ações superficiais, que podem se voltar contra sua empresa. Também é importante enfatizar que diversidade e inclusão são temas diferentes. Vou replicar uma frase famosa da Verna Myers, uma das maiores especialistas sobre diversidade e inclusão corporativa no mundo: “Diversidade é convidar para o baile, inclusão é chamar para dançar “.
Para pensar e aplicar estas ações, não faltam bons exemplos em outros setores para se inspirar e espelhar. Várias empresas nos últimos dois anos notaram que não havia lideranças negras em altos cargos e lançaram programas de trainees exclusivos para pessoas negras. Outras pensando em ter mais mulheres em cargos de lideranças, abriu processos seletivos em cargos de diretoria exclusivo para mulheres, com a devida equidade salarial. Outras criaram espaços seguros para LGBTQIA+ participarem de processos seletivos, coibindo através de conscientização, treinamentos e punições a ambientes tóxicos. Outras recrutam pessoas trans, com toda estrutura inclusiva para que elas possam ter a tranquilidade e apoio para exercer suas funções profissionais. E tudo isto é possível para ser aplicado quanto antes, basta ter a vontade e disponibilidade.
O futuro breve será diverso e inclusivo, apesar da resistência haverá cada vez menos espaço para ambientes permissivos, omissos com preconceito. Para que o turismo brasileiro não fique no passado, entidades de classe, associações, lideranças do setor precisam com urgência agir, pois, em todos os setores da sociedade, DIVERSIDADE E INCLUSÃO SÃO “PRA ONTEM”.
As opiniões expressas neste texto são do autor e não refletem, necessariamente, a posição da WTM Latin America.