Carta Aberta a um Viajante Corporativo (escrita por um Gestor de Viagens e Eventos)

Carta Aberta a um Viajante Corporativo (escrita por um Gestor de Viagens e Eventos)

*esta carta não é real! Apenas uma maneira didática de explicar aos viajantes corporativos os perrengues da vida de um Travel Manager dos dias de hoje.

Caro colega de empresa,

Sou o responsável pela área de Viagens de nossa empresa. Você me questiona bastante por e-mail, no café, no refeitório, no fretado em que nos encontramos, no fumódromo – ou através de seu chefe mesmo. A maioria de suas queixas são comuns a colegas de outras organizações, feitas pelos viajantes deles, pois a maioria de nossos desafios decorre do ambiente externo – ou seja, cada um em seu “quadrado” lida com as seguinte forças externas questionadas por vocês:

  • por que encontra-se SEMPRE tarifas mais baixas comprando diretamente, fora dos canais oficiais que sou o responsável por administrar – e neste ponto sinto-me injustiçado, pois analisando o nosso volume de viagens estes casos não passam de 1% do total; mas você usa a palavra sempre quando conversamos;
  • por que a agência oficial não é proativa, e muitas vezes limitada em seu atendimento (e a do seu amigo, claro, é muito melhor que a que a nossa empresa escolheu e que por coincidência do destino eu administro);
  • por que os hotéis que negociamos não são bons em tarifa e serviços;
  • por que a ferramenta interna de requisição de viagens (OBT) não é amigável como um site “normal”, da Booking ou da Decolar;
  • por que precisam de tantas aprovações para viajar ou prestar contas.

Como meu cliente interno e colega de organização, deixe-me tentar explicar alguns fatos para ajudar a entender por quê estas coisas acontecem (embora não nos exima do fato de que somos responsáveis em melhorá-las – mesmo exigindo uma capacidade de coordenação e persistência enorme, além de ajustes hercúleos e alheios à nossa capacidade como melhora da infraestrutura do País, segurança jurídica, diminuição do custo-Brasil, etc:

1- Com a expansão do mercado, houve uma proliferação, e ainda há, de novas soluções e canais de distribuição (o que é ótimo, o capitalismo sendo o capitalismo). Os mercados da América Latina têm uma gama enorme de hotéis e a maioria deles é independente e com pouca estrutura para bancar a distribuição de suas tarifas via os tradicionais distribuidores globais, que são caros. Este “monopólio” dos distribuidores inclusive é um dos entraves que vem sendo alvo das novas soluções, que buscam distribuir as tarifas dos hotéis a um custo menor, mas tudo isto leva muito tempo e envolve muitos interesses comerciais e operacionais – são estruturas que regeram o Turismo por 60 anos e estão sendo desafiadas agora. Estamos no meio do furacão, aquela fase do mercado que as forças se chocam até que comecem a se acomodar.

Exemplo: quando uma agência reserva para você uma tarifa muito baixa, mas que é de uma agência online como Decolar, Booking, Expedia, ou de uma máquina como a Trend,  os funcionários do Hotel não sabem de qual empresa você é – diferente de quando é uma tarifa da própria agência ou da nossa empresa (que chamamos de “tarifa corporativa” ou “tarifa negociada”). Elas geralmente são mais baratas porque estas empresas tem poder de negociação altíssimo ao congregar volumes, equipes gigantes focadas nisto – mas também muitas vezes têm armadilhas como não ser reembolsável, não poder ser cancelada, sem café-da-manhã incluso. Nosso grande desafio é conectar toda essa rede para chegar até você:

Hotel –> Distribuidor (GDS/HRS/Trend/Decolar/Booking/Expedia) –> Agência de Viagens/Online Booking –> Viajante –> Visibilidade pós-venda em relatórios

Com uma média de 200 Hotéis negociados ao ano pela nossa empresa + todos os outros que não são negociados, mas que utilizamos, imaginem a dificuldade de fazer este sistema funcionar. Tenho que fazer você ter acesso ao mais barato, mas também ao mais confortável e seguro. Isso falando de Brasil, mas alguns de nós também somos gestores regionais e temos exatamente os mesmos problemas na Argentina, Peru, Chile, Paraguai…. mercados muito mais imaturos, muitos Hotéis sem contatos comerciais ou que não estão nem aí para nosso volume – pois se vendem sozinhos ou simplesmente não tem apetite comercial.

2- Embora as viagens de negócios no Brasil, e provavelmente nos demais países, representem de 65 a 70% do volume das Cias. Aéreas, elas ainda pensam muito no usuário que compra no site, a pessoa física, para definirem regras tarifárias e formas de distribuição (chego a dizer em muitos casos que as internacionais também não estão nem aí para nós – mudam regras de compra de bagagem e marcação de assentos sem pensar em como isso será executado no turismo corporativo, sem apoiar em nada a mudança que estão provocando). Logo, vendem assentos em bloco para as mesmas agências online que mencionei anteriormente, mas não para as agências corporativas que nos atendem, ou publicam tarifas únicas para compra via website que não estão disponíveis para vocês via nossa agência de viagens nem via sistema interno da empresa. Mas da mesma maneira, estas tarifas raramente são remarcáveis, reembolsáveis, etc. Além disso, ao se avançar da primeira página das ferramentas mais famosas, percebe-se um aumento do preço inicial devido à taxa de serviço do site + taxas aeroportuárias.

Sim, viagens internacionais (especialmente) se não forem bem cotadas por um consultor experiente podem ser mais baratas no site devido a combinação de trechos, horários e “caça” de classes tarifárias nos inventários dos transportadores que os algoritmos conseguem fazer mais eficientemente (e isso não é privilégio apenas dos algoritmos de Viagens, leia qualquer reportagem de Inteligência Artificial para notar que isso já vem ocorrendo em outros setores da economia).

Até por isso pedimos em nossa Política que você compre com antecedência: há cada vez mais gente viajando no mundo, e menos voos sendo operados. Imaginem a quantidade de grupos sendo bloqueados neste momento que você lê meu post e pessoas buscando no Skyscanner ou outro metabuscador aquele assento que você quer comprar na classe econômica – é quase igual comprar ingressos pro Rock in Rio.

3- Geralmente aquilo que reclamamos de nossas agências, de falta de proatividade, retorno rápido e preços altos, faz sentido e ocorre em todos os países do mundo, especialmente com as grandes agências que massificaram o atendimento corporativo (e isso não é uma crítica, é a realidade). Por terem massificado elas tem estrutura financeira e operacional para suportarem nossas empresas em diversos Países. Será que pagamos o justo a elas? É verdade que quem deve valorizar o produto é o vendedor, pois o comprador quase sempre vai querer pagar menos e ter mais – mas em alguns casos nossas empresas simplesmente esmagam os fornecedores com preços insustentáveis (e alguns estão errados em aceitar e baixar a régua). É verdade também que durante a contratação da agência existem níveis de serviço acordados e bônus e penalidades financeiras para eles, mas como querer ter um atendimento excelente pagando por um ruim? Não se esqueçam também que o nível educacional básico do nosso País/LATAM ainda é baixo e isso se reflete em todo o mercado; com isso, a profissão de consultor de viagens acaba sendo desvalorizada porque os salários são baixos, bem como a de recepcionista de Hotéis e outras funções operacionais dos nossos fornecedores de Viagens e Eventos. É um cenário perverso que gera turnover alto, gastos com treinamento das empresas para que estas pessoas troquem de emprego por R$ 200 a mais em seus vencimentos – e não estou julgando-as, cada um sabe das contas que vencem em seu mês.

Ainda falando de atendimento, também temos nossa parcela de culpa quando não somos claros em nossas necessidades de clientes, quando mandamos apenas emails e não usamos o velho e ainda útil telefonema para esclarecer dúvidas. Um feedback transparente e construtivo seu, como viajante, também ajuda o fornecedor a melhorar e a nos conhecer melhor – e não se esqueça de elogiar quando for justo!

4- As aprovações são mais que necessárias no País “do jeitinho”. Enquanto não aprendermos a lidar com o dinheiro da empresa como se fosse o nosso, enquanto não pararmos de infringir regras por saber que ninguém está acompanhando seu cumprimento (geralmente nós Gestores fazemos auditoria por amostra), as aprovações excessivas continuarão existindo. Funcionários que extrapolam no cartão corporativo em jantares, que fazem a unha, cabelo , que usam táxi executivo, alugam carro de luxo ao invés do Econômico 1.4, ficam em Hotéis 5 estrelas e compram o voo mais caro tornam as aprovações necessárias – isso quando a empresa libera o cartão corporativo e não obriga as agências, locadoras e hotéis a trabalharem com uma coisa ultrapassada chamada faturamento – por quê é uma das poucas maneiras de não ter que ter uma equipe interna para controle e deixar a responsabilidade na mão do fornecedor, que só vai faturar aquilo que foi previamente acordado, correndo o risco de nunca receber se faturar o que não devia. É verdade que também usamos o faturamento para melhorar a gestão do caixa, afinal temos que entregar resultados para a Matriz, mas essa prática gera muita improdutividade e tira dos fornecedores fôlego financeiro para investir em aperfeiçoamento tecnológico e humano.

5- Nossa empresa muitas vezes não vê valor em gerir Viagens Corporativas estrategicamente e me dá diversas categorias para negociar/administrar, como Frota, Restaurantes, Jardinagem, Almoxarifado, Correios, Benefícios, etc. Também não me libera para ir a eventos do setor, acha que vamos apenas bater papo e que não trarei novidades para melhorar o serviço dos fornecedores para vocês, ou os processos e as regras de Viagens. Ou simplesmente não tenho tempo para ir, pois é tanto trabalho, tanta emergência, que fica “chato” sair do escritório enquanto minha equipe ou colegas ficam no olho do furacão. E bem naquele dia que resolvo ir, 10 pessoas ligam em minha mesa, não me acham e já perguntam para o chefe onde estou.

P.S: enquanto em outras categorias gerencia-se 10, 20 fornecedores, posso ter até 100 (considerando redes de Hotéis, propriedades independentes, Cias. Aéreas, Agência de Viagens, de Eventos, Locadoras de Veículos, Seguro-Viagem, Ferramenta de Reservas, Despachante, Distribuidor de Conteúdo de Hotéis, etc).

Mesmo com estas dificuldades que te listei (faltam muitas, mas claro que todo profissional especializado tem as suas), o fato é que comprar tudo de forma centralizada ainda é a melhor estratégia ao invés de deixá-los comprar sozinhos, cada um em sua agência ou site de preferência (ou você também quer comprar o grão da máquina de café, o papel higiênico, computador, mesa, cadeira, plano de saúde, o almoço de todo dia?). Preciso ter visibilidade para negociar melhor, para cobrar respostas dos fornecedores e para saber onde você está se ocorrer um atentado terrorista, uma enchente, um furacão. Sou responsável por suportá-lo nestes casos. Sou responsável por diminuir ou no mínimo manter sob controle os custos de viagens, e não olhar apenas o custo-viagem, mas o ganho que elas trazem aos nossos negócios (uma viagem menos cansativa e mais inteligente logisticamente te torna mais produtivo para fechar novos contratos, para o nosso presidente adquirir um novo negócio, para o advogado da empresa nos representar bem em uma audiência, para um trainee sair ainda mais motivado e preparado para logo ser um dos nossos Gerentes e para o Diretor de Relações Governamentais conseguir a aprovação de um projeto, portaria, lei que beneficie nossa indústria).

É isso meu caro viajante. Queria apenas te contar um pouco como é meu dia e por que nem sempre conseguimos (meus fornecedores e eu) atender ou superar suas expectativas, embora nos esforcemos muito. A parte boa é que o pessoal dessa indústria costuma ser muito apaixonado pelo que faz, se esforçam para superar as dificuldades – especialmente o pessoal da Hotelaria.

Um abraço,

Seu Gestor de Viagens e Eventos.

As opiniões expressas neste texto são do autor e não refletem, necessariamente, a posição da WTM Latin America.

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Eleito em 2017 um dos 75 Profissionais de Turismo Mais Influentes do Brasil pelo Panrotas, premiado em Boston (EUA) pela Global Business Travel Association (GBTA) com o The Business Travel Service Awards. Fernão Loureiro atualmente é o Strategic Travel & Events Manager na Philips América Latina, responsável por 8 países - e com apenas 7 meses de empresa recebeu em 2016 o prêmio Act-Accelerate-Anticipate em Amsterdam, matriz da empresa. No mercado de Viagens e Eventos Corporativos, atua como blogueiro do Panrotas (blog.panrotas.com.br/gestordeviagens), é colunista na revista espanhola TravelManager Redacción(https://revistatravelmanager.es/author/floureiro/) - com reprodução de conteúdo em diversos outros blogs e eventos. Atua ainda como: • Professor visitante no SENAC-SP nos cursos de Turismo e Hospitalidade • Presidente da GBTA Brasil - Global Business Travel Association • Instrutor da GBTA Academy • Conselheiro da HSMAI Brasil - Hospitality Sales & Marketing Association International • Coordenador do Comitê de Viagens Corporativas da HSMAI Brasil • Participante do tradicional grupo de gestores TMG – Travel Managers Group. Formado em Turismo pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, Pós-Graduado em Gestão de Negócios em Serviços pela FECAP e com MBA em Gestão Empresarial pela Brazilian Business School, Fernão trabalhou por 6 anos na Carlson Wagonlit Travel, onde iniciou sua carreira como estagiário e durante 1 ano atuou na Austrália; por 1 ano como Gestor de Viagens da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil; e por 2 anos como Comprador LATAM de Viagens, Eventos e Frota na Agrega Intelligent Procurement, uma empresa dos grupos Ambev e Souza Cruz. Ativo participante de debates e palestras, tais como Corporate Travel Forum (HRS), GBTAs 2014 a 2017, LACTE 2016, Connect Meeting GOL 2016, Vila do Saber ABAV 2013, Fóruns de TMCs, Fórum Abracorp 2017, Convenções de Vendas de Redes Hoteleiras como Blue Tree, Arco, Atlantica, BHG, Encontro Nacional de Estudantes de Turismo (ENATUR) na USP e Encontro de Estudantes do IFTO e IFSP.

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