*Por Chef Paulo Coelho Machado, Chef de cozinha dos Foodsafaris, pesquisador e Mestre em Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi.
Viajar em busca de sabores regionais já é máxima ritualística para o turista moderno. Foi-se o tempo que um visitante iria para Salvador e deixaria de provar um acarajé “quente”: com vatapá, caruru e camarão seco; fritinho na hora como fazem as baianas, ou provar o tacacá em Belém, capital gastronômica da Amazônia destacada pela Unesco. Visitar o Mercadão de São Paulo só para comer: sanduíches de mortadela, pastel de bacalhau, miúdos, frutas exóticas ou sobremesas árabes. O forasteiro que visita Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul e não se refestela em uma das dezenas de barracas da Feira Central em busca do Sobá perfeito ou da tríade: espetinho, mandioca e shoyu (sim a mistura de Japão e Brasil provoca esta curiosa e deliciosa fusão local). Ou ainda visitar as “paneleiras de Goiabeiras” em Vitória no Espírito Santo pra levar a panela de barro, ingrediente que não é consumido no prato mas é condição “sine qua non” para se fazer e degustar a verdadeira moqueca, segundo os capixabas.
Camarão dos potiguares do Rio Grande do Norte; matear com gaúchos nas manhãs frescas da região Sul. A simples água de coco ou o açaí dulcíssimo das praias cariocas. Os trás e sequência de camarão em floripa. O cacau em ilhéus, as históricas fazendas de café das alterosas mineiras. O peixe de rio das veredas do planalto central, a feijoada pernambucana finalizada com a cartola d’O Leite (restaurante mais antigo do Brasil, que mora em Recife). As tapioqueiras de Olinda, as quitandas e alfenins de Pirenópolis, o empadão goiano… Viver para comer! É fato: já não se come para viver. É claro que a fila de lugares a se visitar é grande, e olha que só elenquei pontos saborosos da gastronomia tupiniquim, mas hoje a gastronomia passa de coadjuvante a prato principal. Com todo o sabor dos trocadilhos, cada vez mais há grupos de turismo que se dedicam a explorar de forma consciente e sustentável os sabores e a comensalidade de cada localidade.
Já não existem viagens, pacotes, ou mesmo o plano de viagem que não una conforto, lugares incríveis e a gastronomia própria de cada lugar.
A hospitalidade no turismo hoje aliada a gastronomia substitui o álbum de fotos do passado. Veja bem o potencial disso, um sujeito visita a Tailândia, aprende a fazer a pasta picante Pad Thai, ou foi a Lima no Peru e teve a oportunidade de visitar restaurantes que servem ceviche, se refestela com choro pan na avenida “Costanera” em Buenos Aires e quando retorna a sua casa replica estas receitas para seus chegados. E então aquele hábito bem ritualístico de chamar amigos e família para contar histórias das “trips”, mostrar fotos reveladas em negativo ou mesmo em slides (lembrança que revela um passado desconhecido aos millenials e a geração da internet), é cada vez mais substituído pelo ritual da comensalidade nas cozinhas gourmets dos condôminos e edifícios da elite ou na copa cozinha do viajante mais humilde. As fotos? Estas foram postadas e publicadas em tempo real, estampadas nos álbuns virtuais das estantes digitais. De celulares última geração as lentes de pouca definição de aparelhos mais modestos. Democratiza-se a gastronomia.
A força chave das expedições gastronômicas mora neste cenário de fetiche pela repetição de um prato degustado, com a ideia de uma transposição da lembrança daqueles deliciosos sabores. E pra aquele que não se aventura a cozinhar, trazer doces, vinhos, embutidos, queijos, molhos, azeites, chocolates (ufa a fila é enorme) para casa é obrigação de mostrar o marco daquele destino traçado. “Checked!”
O impacto deixado pelo visitante é condição inevitável de fortalecimento das tradições, reconhecimento identitário, preferência aos produtos locais e alento aos pequenos produtores e artesãos da cozinha de tradição. Senhoras e senhores bem-vindos a era da viagem degustação. “Simbora” provar?!
As opiniões expressas neste texto são do autor e não refletem, necessariamente, a posição da WTM Latin America.